Impacto da pandemia covid-19 na prestação de cuidados e na utilização da telemedicina em otorrinolaringologia: A realidade portuguesa
DOI:
https://doi.org/10.34631/sporl.926Palavras-chave:
COVID-19, SARS-CoV-2, pandemia, telemedicina, otorrinolaringologiaResumo
Introdução: A pandemia de doença coronavírus 2019 (COVID-19) provocou reestruturações profundas nos sistemas de cuidados de saúde em todo o mundo. As instituições de saúde concentraram os seus recursos na abordagem da COVID-19 e houve restrição de atividades em outras áreas. Por outro lado, foi estimulado o recurso à telemedicina, que consiste na prestação de serviços clínicos e educacionais remotamente, mas mantendo a interação em tempo real, através do recurso a meios audiovisuais. A especialidade de Otorrinolaringologia (ORL) representa uma das muitas especialidades cuja atividade clínica e cirúrgica sofreu alterações, em virtude das medidas impostas.
Objetivos: Pretendemos avaliar o impacto da COVID-19 na prestação de cuidados e na utilização da telemedicina em ORL em Portugal, durante o Estado de Emergência (22 de março a 2 de maio de 2020), na esperança de que estes dados possam vir a ser úteis como referência futura em novas vagas da COVID-19 ou numa eventual nova ameaça de saúde pública, tendo sempre em vista a melhoria da prestação dos cuidados de saúde.
Material e Métodos: Aplicação de um questionário anónimo, desenvolvido através da ferramenta Google Forms e enviado por correio eletrónico a todos os Diretores/Coordenadores de Serviços/Unidades de ORL do país. O questionário compreende 35 questões de resposta múltipla ou simples.
Resultados: Obtivemos uma taxa de resposta ao questionário de 56,5%. Previamente ao início da pandemia, apenas 7,7% dos Serviços recorria à telemedicina, na forma de contacto telefónico e prescrição eletrónica médica (PEM). Por sua vez, durante o Estado de Emergência, 84,6% passaram a recorrer à telemedicina. Durante este período, 96,2% dos Serviços mantiveram atividade clínica com restrições e 3,8% não manteve qualquer atividade, sendo que a maioria manteve menos de 50% da sua atividade habitual. Relativamente à atividade de consulta e de bloco operatório, 96,2% dos Serviços apenas realizaram consulta urgente/oncológica e 80,8% apenas realizaram cirurgias de caráter urgente/ patologia oncológica programada, sendo que 3,8% não realizaram qualquer consulta e 19,2% não tiveram qualquer atividade cirúrgica. De todos os Serviços de ORL que participaram neste estudo, 57,7% não considerou que tivesse havido um aumento de contactos por parte dos doentes durante o Estado de Emergência. Uma vez ultrapassada a pandemia por COVID-19, 65,4% dos Serviços considera poder implementar/manter o recurso à telemedicina em situações específicas, nomeadamente, na maioria dos casos (82,4%) por contacto telefónico com o doente e PEM. Em condições de normalidade, 46,2% consideram que a telemedicina em ORL acrescenta qualidade ao serviço prestado aos doentes, com 50% a considerarem também que esta modalidade melhora o acesso aos cuidados de saúde e que pode ser aplicada, em algumas situações, a especificidades dos doentes do foro ORL (57,7%). No entanto, 73,1% consideram que a telemedicina não é aplicável à maioria dos doentes, por questões de literacia.
Conclusões: O estado de emergência que vigorou no nosso país, devido à pandemia COVID-19, alterou a prática clínica em ORL, com a suspensão da atividade eletiva presencial em todos os Serviços, tendo havido uma aposta na telemedicina, como forma de permitir o contacto com estes doentes, mantendo-se presencial apenas a consulta clínica e o tratamento cirúrgico de patologias de caráter urgente e do foro oncológico. Este período crítico pode ter estimulado uma eventual maior utilização futura da telemedicina. Contudo, o impacto clínico destas alterações na qualidade do serviço prestado e na saúde dos doentes não foi avaliado, pelo que são necessários mais estudos com vista à investigação dos resultados clínicos e eventuais ganhos em saúde.
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